Relato de um rio

Antes de começar a falar, devo me apresentar: o meu nome é Barigui, do tupi-guarani significa “pequeno mosquito” ou “rio do fruto espinhoso”. Minhas nascentes estão situadas ao norte do município de Almirante Tamandaré, posso dizer que aqui as minhas águas se escondem, poucos me conhecem, poucos me viram. Quem me acha me enche de bons adjetivos, tento me apresentar sempre muito claro, limpo e não tenho nenhum cheiro que depois alguém possa se lembrar. Não sou muito volumoso, nem tão pouco profundo, mas aquele que me encontra nesse lugar sente vontade de os pés molhar.

Mas eu não quero ficar aqui parado, devo caminhar, passar por Curitiba e em Araucária chegar, lá encontrarei um grande amigo, seu nome é Iguaçu.

Quando começo a minha descida, complicada é a partida. Logo de saída, a ação do homem eu constato e aí vai o meu relato: esse aí instalou sua empresa as minhas margens, ele não estava interessado em fazer a política da boa vizinhança, ao invés disso, viu em mim um fiel depositário de seus resíduos.

Multado esse vizinho foi, ele teve que recuperar as minhas margens, mas o estrago estava feito, ele impediu a pesca nessas porções do meu leito, os peixes que eu carregava sofreram os efeitos e da pesca ninguém mais tira proveito.

O senhor Dirceu, que convive comigo há mais de 60 anos, lamentou e disse que estou todo judiado. Mesmo judiado tento passar, mas está difícil seguir sozinho, pois há sempre no meu caminho alguém querendo algo adicionar.

O dono do lava car joga o seu sabão, quem não paga para lavar o carro segue o mesmo padrão.

O sr. Aluísio disse que eu mudei muito, que a sua impressão é que estou praticamente acabando. Ele me guarda em sua memória, tempos bons aonde nadava em minhas águas. Sinto o afeto do sr. Aluísio, pois ele tenta me limpar, tira lixo daqui e dali, mas esse pobre senhor sozinho em seu ato inspirador não consegue me recompor.

Já ouvi o ditado pela boca de alguns que aqui passaram: “Dessa água não beberei”, pensei comigo: não beberas mesmo, com tanta poluição.

Insisto em dizer: eu só quero seguir o meu caminho, sem levar nada disso que estão querendo me dar, móveis, sacolas e garrafas plásticas, pneus, cada coisa em seu devido lugar. Depois não adianta reclamar, se eu transbordar, não sou lugar para tudo jogar.

E como já dizia o poeta: “Perto de muita água tudo é feliz”, então me deixe passar... Passar pelo seu bairro, passar por parques e reservas.

E por falar em parques, devo dizer que as pessoas que aqui me veem não passam só para me visitar, nada de só observar, deixam lixo por todo lugar. Nem o famoso parque Barigui escapa, dá pra acreditar?

Queria que você pudesse se ver refletido em mim, como alguém que se vê no próprio espelho, mas tão sujo estou que nem eu mesmo aconselho...Talvez se você se visse em mim, pudesse me sentir como águas que correm em você.

Eu carrego muito de você e você carrega muito de mim...Você é 70% água e me faz sentir como se eu fosse 100% lixo...

Não quero ser um rio vivo só em memórias, não quero ser visto como águas passadas, quero ainda mover muitas vidas e carregar outras tantas histórias...

Com licença, eu faço parte do maravilhoso ciclo da vida, deixe-me passar...

Por: Patrícia Corrêa Wasilewski Kluthcovsky